por Arnaldo Bloch
Não confundir com pedofilia, prática execrada pelos podólatras. A podolatria (não adianta procurar a palavra, não existe no Aurélio) é uma prática adulta, eventualmente adúltera, mas não inclui menores no seu tratado. Menores, só os pés femininos acima de 18 anos que calcem abaixo de 35. Mas também podem ser grandes, belos ou chatos, macios ou ressecados, limpos, sujos, secos ou suados, perfumados ou "com odor forte" (para não mencionar o chulo "chulé" e seus matizes).
Tudo depende do perfil do público que, em seus diversos segmentos, cresce em progressão geométrica, provocando uma explosão de sites na internet (no Brasil já são centenas e, no exterior, milhares) dedicados exclusivamente ao apimentado assunto. Especialistas como o empresário Giuliano Moretti tornam-se célebres na mídia virtual, e fazem de livros como "Tesão pelos pés" um cult do e-commerce. Escalada na moda, falar em podolatria saudável pode causar estranheza tratando-se de fetiche normalmente associado ao universo sadomasoquista, já bastante estigmatizado. Se, de fato, o desejo de ser subjugado ou de dominar alimentam uma de suas variantes mais antigas - centrada no uso de sapatos, botas e saltos pressionando o pênis e outras partes do corpo do homem - outras modalidades de adoração vão ganhando terreno. Na publicidade e na mídia em geral, os pés conquistam preciosos minutos diários de difusão. São corriqueiros os anúncios nos quais eles são totemizados. Imagens que podiam chocar há duas décadas, e que hoje são comuns para marcas como Calvin Klein, Versace e Gucci.
Enquanto isso, os anéis e as correntes, sem falar em unhas pintadas de cores bizarras, deixam para trás as prosaicas pulseirinhas de calcanhar para assumir funções simbólicas muitas vezes conectadas aos mistérios do Oriente. Nada disso é novo, mas enfim assistimos à democratização do imaginário podólatra. Na literatura, quem leu Nabokov sabe que os pés de Lolita são uma fixação do professor Humbert-Humbert.
Mito do humor brasileiro, Henfil usava o perverso Fradim para confessar que gostava de beijar pés, "principalmente com um leve chulezinho". No cinema, os pés preenchem um mundo de fotogramas. A imagem mais festejada dos últimos tempos está no thriller "Jackie Brown", de Quentin Tarantino, onde os pés de Bridget Fonda oferecem-se em longo close das solas voluptuosas e dedos enfeitados. Em "Pulp Fiction", Uma Thurman exibe ângulos saborosos aos amateurs . Em "Um drink no inferno", a dançarina de um clube enfia seu pé na boca do espectador, arrancando aplausos silenciosos. Uma das melhores fotos do ensaio da Feiticeira na revista "Playboy" nada tem a ver com seios siliconados, mas com um belo e ornado pé dominando a página colorida.
Mas é na internet que a mítica pedólatra ascende simultaneamente a seus níveis mais sublimes e aos subterrâneos mais sórdidos, dependendo do ponto de vista. Galerias de fotos acessíveis gratuitamente nos sites e via mail nos clubes eletrônicos dão um bom panorama das variantes. A saber: a variante estética, que limita-se à apreciação da beleza e das curvas dos pés, ou à fixação na promessa de nudez representada pela carne à mostra em sandálias e tamancos. A vertente tátil, onde o que vale é o contato do corpo, das mãos, do rosto, da boca e da língua com tão singular universo epidérmico. A químico-odorífica, complexa arte da degustação olfativa, praticada inclusive em casas especializadas onde os chulés oferecidos através de fendas na parede são classificados por aroma e intensidade, como se fossem chás ingleses. A variante lúdico-masoquista, dedicada à prática das cócegas combinada à bondage (pés amarrados). A manipulação, na qual os pés ganham status de órgão sexual, desde que dotados de habilidades masturbatórias (os chineses, ao deformar os pés de suas mulheres transformando-os em "Pés de Lotus" levaram tal prática a deplorável paroxismo). E os estranhos simbolismos advindos da prática de fotografar pés esmagando frutas, tortas e, mais raramente, insetos (!).
Os sites promovem também longas discussões, onde as dezenas de milhares de adeptos (em 99% dos casos homens ou lésbicas disfarçadas atrás de hotmails de fantasia, pois as dominatrix escondem-se amiúde) confessam suas taras livres dos grilhões da rotina familiar, profissional e afetiva.
Pela internet promovem-se também encontros específicos, uma vez que nem sempre é possível garimpar uma "alma- pé", restando aos afeitos e afoitos fugazes beijos roubados dos pés da namorada, da esposa ou da amante durante os ápices do ato convencional.
Especialistas divulgam suas idéias, desmistificando o assunto e a inibição que oprime o universo podólatra. Cuja origem, por sua vez, é antiga e controversa, dependendo do caso associada a representações sublimadas ou a ritos atávicos em sociedades matriarcais. Dizem que o percentual de homens que têm fixação pelos pés é muito maior que o de mulheres.
Mulher em si é o maior fetiche. A explicação estaria no cérebro: a região que comanda o pênis é adjacente à área que sensibiliza os pés. Dependendo da proximidade das ligações nervosas, é maior a tendência podólatra. Freud tinha outra explicação, evidentemente de caráter fálico, rechaçada pelos podólatras heterossexuais, satisfeitos em curtir os pés do sexo oposto que, somados a outros atributos, fazem da fêmea, em si, o fetiche absoluto.
Fonte: Globo On Line
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